Desafio Cara a Tapa #1 - Escreva um conto que contenha uma frase retirada do livro O Grande Gatsby

A palavra que se justifica no verso, o verso que se justifica em mim.

 

     Luiza havia recebido uma pasta e uma caixa. A casa estava movimentada e ela não sabia dizer quem as havia deixado em sua cama. Saiu do quarto e foi ao encontro de seu marido. Ele jogava cartas.

    - Tom. Sabe quem deixou aquelas coisas em nossa cama?

    - Não sei. – respondeu, enquanto tentava olha-la sem tirar os olhos do baralho. – O que deixaram lá? – alisou sua mão.

    - Uma pasta e uma caixa. Não foi você? Posso abri-las?

    - Sim. Fique à vontade. – puxou seu braço e beijou sua testa. – Faça isso.

    Luiza atravessou a casa e cumprimentou uns convidados que haviam acabado de chegar. Depois, entrou no quarto e pegou a pasta. Abriu. Dentro haviam vários papeis. Muitos deles eram poesias, alguns, pedaços de retalhos com pequenos textos escritos. Retirou alguns e começou a ler.

    “Nunca tive coragem de dizer. Mas estou apaixonado por você Luiza, Luiza”.

    “Seus olhos são como dois retalhos da lua. Eu poderia ficar parado por horas olhando para eles, Luiza. Eu gostaria mesmo, mas procuro uma forma de fazer sem que ninguém note o quanto o meu coração deseja o seu amor”.

    “Os seus lábios saltaram de sua boca e foram parar na minha. Acordei e percebi que eles não estavam lá. Queria rouba-los para mim. Cuidaria deles todos os dias de minha vida”.

    “Tenho muitas coisas. Uma casa tão grande que poderia ser recheada de filhos e animais. Poderíamos plantar lírios no jardim e deitar na grama para ver as estrelas. Ou eu poderia te olhar, e ainda assim continuaria vendo-as brilhar em seu rosto”.

    “Não. Não foi por mal. A justificativa está nas coisas do coração. Não acho que seja possível comandá-lo. Tenho um respeito e uma admiração honrosa por meu primo Tom. Não queria deixa-lo sem sua preciosidade. Mas acredito em uma coisa mais do que acredito neste vinculo de sangue, que as coisas que vem do coração são irremediavelmente escusáveis. E você seria para mim a eterna dama de minha vida”.

    Luiza terminou de ler os pequenos retalhos e percebeu que havia mais uma porção deles. Ela poderia passar o dia lendo e ainda sobrariam textos. Pegou a pasta, a caixa e levantou-se da cama em um pulo. Alguém estava batendo na porta.

    Guardou tudo em um baú, trancou-o e saiu do quarto. Quem estava a bater era sua ama, Leticia.

    - Luiza, estão chegando mais convidados. Querem saber onde a senhora está.

    - Já estou indo. – fechou a porta do quarto e suas vistas embaçaram quando ela olhou para a multidão.

    Tom tinha vinte primos, e pelo menos metade deles estava presente na recepção. A moça cumprimentou as pessoas e foi ao encontro de seu marido, colocou uma cadeira ao seu lado e se sentou.

    Luiza amava a companhia de seu esposo. Estavam casados a cinco anos e a paixão ainda não tinha se apagado. Não havia homem no mundo inteiro que pudesse fazer seu coração vibrar mais do que Tom.

    Ele colhia flores no jardim todas as manhãs e colocava ao lado do seu prato de desjejum. Alisava seus cabelos na frente do espelho e poderia passar horas recitando poesias em seus ouvidos.

    Luiza o havia conhecido em uma orquestra. Ele beijou suas mãos e nunca mais soltou. Havia prometido que céu seria um infinito de possibilidades para seu amor. Prometera surpreende-la cada dia como se fosse o primeiro, e cumpriu.

    E essa vida de surpresas diárias fez Luiza desconfiar da caixa. Talvez fosse tom pregando peças. Queria mostrar a ela o quanto a amava e fez isso para conseguir faze-lo de uma maneira que não havia feito antes.

    Talvez fosse um convite para o primeiro filho, ou para se mudar. Morar em outra casa. Luiza pensou em perguntar, mas desistiu e levantou-se.

    Foi até a biblioteca e ficou horas observando os livros. Ela amava como as palavras tinham o poder de tocar. E embora Tom recitasse poesias, nunca soube que ele poderia fazer sua própria versão delas. Seu coração pulou, estava feliz por descobrir que Tom poderia escrever além de apenas decifrar. Ela poderia ter suas próprias poesias e elas seriam só dela, feitas especialmente para seu deleite.

    E foi por isso que ela confirmou que as palavras lidas nos retalhos haviam mesmo sido escritas por Tom. Pois elas haviam lhe tocado como nunca nenhuma a tocou. E decidiu que não haveria outra pessoa para tê-las escrito, pois só Tom era o dono de seu coração, e só o dono de seu coração poderia ter escrito algo capaz de toca-la.

    Sentou na cadeira e as frases deslizaram em algum lugar de sua cabeça. Imaginou a nova casa e os animais. Quis estender uma toalha no chão e se deleitar em baixo das estrelas. Quis plantar novas mudas de flores no jardim. Quis ouvir cada palavra em seu ouvido como se tivesse escutando pela primeira vez.

    Imaginou Tom escrevendo uma poesia por dia. Todos os dias ela teria uma poesia nova e elas nunca mais iriam acabar. Ela se deitaria na frente da casa e mesmo que estivesse velha ainda receberia os retalhos escritos. Aquela era mais uma surpresa de Tom. E ele a escondeu para mostrar no momento certo.

    - Posso entrar? – a porta da biblioteca abriu.

    - Claro, Gabriel. – respondeu, ainda presa nos retalhos.

    - Vim procurar um livro.

    - Entre, fique à vontade.

    - Onde ficam as poesias?

    - Naquela estante. – apontei. – Não sabia que gostava de versos.

    - Sempre gostei. – virou-se para ela. – Gosto de escreve-los em retalhos também. – Olhou    intensamente seus olhos.

    - Posso ler depois? Gosto tanto de poesia. As vezes penso que sou mais apaixonada pelo que as frases formam nos versos do que pela vida, do que pelas pessoas.

    - Você já leu.

    - Não, tenho certeza que não.

    - Deixei uma porção delas em sua cama hoje quando cheguei.

    Luiza olhou para ele e pensou.

    “Eu não poderia perdoa-lo, ou gostar dele, mas eu via que aquilo que ele havia feito, era, para ele, inteiramente justificável, e para mim também”.

 

PS: Esse foi o texto que eu produzi para o desafio cara a tapa da semana retrasada. O estimulo foi o seguinte: Escreva um conto que tenha a seguinte frase em sua composição. 

  “Eu não poderia perdoa-lo, ou gostar dele, mas eu via que aquilo que ele havia feito, era, para ele, inteiramente justificável, e para mim também”.

Este, por sua vez, é uma frase retirada do livro "O grande Gatsby", obra que estamos lendo no Clube de Leitura dos Classicos e escrito por F. Scott Fitzgerald.

 

Foto tirada na Belgica em 2019. 


 

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