Desafio Cara a Tapa #2 - Escreva um conto inspirado no quadro de Lucian Freud; The Hotel Beroom

                                                                       

                                          Quarto de Hotel                                                                      

              Ela ficou de olho aberto por horas observando o vazio do quarto e não me notou. Eu não sabia se ainda poderia ajuda-la.

              Na mesa de jantar, o barulho do garfo sufocava minha respiração. Não havia nada além de um sopro fino vindo de sua boca em direção a mim. O movimento das mãos magras cada vez mais lentos e os meus ouvidos sem saber qual seria o momento certo para pelejar.

              Por muitas vezes tentei levantar-me para chamar sua atenção. O som das teclas do piano que antes arrematavam o seu corpo agora silenciavam um silencio ensurdecedor. Ela desaparecera entre as cinzas de seus próprios olhos cinzas, e seus cabelos dourados agora sem vida apontavam para mim.

              Subi e desci cada degrau do apartamento. Nem o sol e nem a chuva que se mostravam pela vidraça eram capazes de fazer seus olhos observarem o deleitar das águas sobre o vidro, ou a camada de luz que se deitava em nossa sala através do sol.

              O barulho das taças de vinho agora batiam sozinhos na pia. A geladeira antes vazia esvaziava-se lentamente enquanto as semanas suspiravam por qualquer ida ao supermercado. A pele branca já não se avermelhava, se congelava, se derretia, se esbaldava atrás de uma camada fina e vazia que se formava em volta de nós.

              Não fosse pelo tempo ou pelo caminhar do rio eu teria percebido antes o momento em que o barulho havia deixado de existir. Mas ainda assim eu estava ali e percebia, mesmo com o badalar do relógio, todos os passos que o tamanco começou a deixar de dar.

              Eu gostava de olhar o colo de seu busto. Amava a forma como a esmeralda reluzia no meio de seus seios enquanto ela batia o talher no prato ainda cheio. Eu subia a vista e via os lábios se mexendo lentamente ao saborearem o prato. Ela conversava comigo sobre todas coisas que existiam dentro de seu corpo.

              Ela era um universo inteiro em um só lugar. Poderíamos viajar a Paris ou a Los Angeles em uma única conversa. Estávamos em um bistrô francês e em um jazz em Nova York em menos de dez minutos.

              E mesmo cheia de mundos eu era o único mundo que nunca saia de lá. Um emaranhado de sentimentos e vontades e virtudes e deleites em um único corpo encantador. Ela estava lá sempre, mesmo quando não estava.

              Sua mente costumava voar em livros. Seus dedos batiam nas teclas como um pincel bate na tela. Cada detalhe da sua face me fazia suspirar quando ela se deitava para olhar o amontoado de palavras que se formavam nas folhas amareladas.

              Eu poderia ficar ali por anos só observando ela viver em seu pequeno mundo particular. Mas agora ela voou para longe, para um lugar onde eu não parecia existir, nem ela. Um dia saiu e nunca mais voltou, quase tão sorrateira quanto a amanhã que nasce depois de uma longa noite de amor.

              Decidi leva-la para Paris. Talvez a solução estivesse em uma viagem física já que a outra aterrissara em um local estranho para mim, para ela, para o vento, para atmosfera.

              Mas quando chegamos naquela quarto de hotel percebi que não importava em qual lugar do planeta ela estivesse se o seu mundo não se pertencesse mais. Não havia nada para fazer. Eu desistiria dela. 

 

PS: Toda semana, a comunidade online Carreira Literária propõe um desafio para os autores que acompanham o canal escreverem um conto a partir de algum estimulo. O estimulo da semana passada foi este quadro do pintor Lucian Freud. Então deixo aqui para vocês o meu. 

Beijos viajantes!!!

Comentários

  1. Adorei! Descreve bem o clima angustiante dos dois, num casamento infelizmente sem futuro. Muito bom! Parabéns! beijos

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